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quinta-feira, março 28, 2024

A supervalorização da BOVESPA

Um dos indicadores comumente mencionados entre os mais otimistas em relação ao desempenho esperado para a economia brasileira para este ano refere-se ao ótimo desempenho do mercado acionário brasileiro medido pela pontuação da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), sendo apontado como sinal do resgate da confiança dos investidores na economia brasileira e, consequentemente, da saída da crise. De fato, o valor das ações negociadas na BOVESPA mostrou forte expansão, em particular no último ano.

A pontuação média mensal de 2017 atingiu 68.113 pontos, 28,3% superior à média de 2016, de 53.104 pontos. Apenas em janeiro, a pontuação média superou os 80.000 pontos e a média de fevereiro se já se aproximou dos 85.000 pontos, o que vem reforçando a tese dos que acreditam que vivemos uma aceleração do processo de recuperação econômica. Não podemos nos esquecer, no entanto, que o comportamento do mercado acionário brasileiro nos últimos dois anos, à luz do contexto doméstico, esteve muito mais associado à ocorrência de eventos políticos do que efetivamente a fundamentos econômicos.

A retomada do último ciclo expansivo dos preços das ações teve início ainda em 2016, no bojo do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Já no governo Temer, as oscilações nos preços das ações estiveram também bastante vinculadas a fatores políticos, tais como o “caso JBS”, votação das denúncias do Ministério Público contra Temer, evolução das articulações políticas em torno da discussão da reforma da Previdência e, mais recentemente, a condenação em segunda instância do ex presidente Lula, que acabou denominado pelo mercado financeiro como “Lula Day”.

Não podemos também nos esquecer dos estímulos provenientes de fatores externos. Ao longo do último ano houve um aumento generalizados nas bolsas internacionais, tanto nos países centrais (destaque para EUA, Japão e Alemanha, todos com valorização da bolsa em torno de 20%), quanto nos emergentes (além do Brasil, destaque para Argentina (valorização de 57%), Chile e Hong Kong, ambos com valorização de 23%). Estes resultados derivam, em grande medida, de um contexto de ampla liquidez e baixas taxas de juros, em particular nos países centrais, o que deslocou parte expressiva da riqueza e dos fluxos financeiros para a compra de ações.

Em contrapartida, na busca pelos fundamentos econômicos domésticos que suportam a visão otimista predominante no mercado financeiro, o que se identifica são preocupantes descolamentos, os quais merecem maior atenção. O gráfico abaixo traz a evolução das séries históricas mensais dos últimos 10 anos (padronizadas para a mesma base 100) da pontuação da BOVESPA, da proxy do PIB real mensal medido pelo índice IBC-BR do Banco Central, e da produção física da indústria geral, medido pelo índice PIM do IBGE.

Índice da BOVESPA, PIB e Produção Industrial (jan/2007=100)

Fonte: Banco Central, IBGE e BM&FBOVESPA.

É natural que o mercado de ações apresente uma maior volatilidade que a atividade econômica, principalmente quando esta última é medida em termos reais. De todo modo, o gráfico também mostra que embora haja descolamentos nos preços das ações em relação à evolução da economia real neste período, eles acabam sendo temporários. O índice referente ao BOVESPA flutuou na última década em torno dos índices estabelecidos pelo andamento da atividade econômica. Em outras palavras, o gráfico indica que, a despeito dos naturais movimentos especulativos, os quais podem decorrer de fatores internos ou externos, o mercado acionário não é plenamente “autônomo”, dependendo da base material vinculada ao desempenho produtivo e à geração de renda, que dão suporte às expectativas de variação nos lucros das empresas e, consequentemente, dos preços das ações. O que se observou, principalmente a partir de meados de 2016 foi um grande descolamento da pontuação do BOVESPA em relação à economia real. Portanto, podemos afirmar que a base material de sustentação da recente valorização das ações negociadas no país é ainda bastante frágil.

A situação estrutural mostra-se mais complicada quando se observa o descolamento ainda maior entre a trajetória da bolsa de valores e o desempenho do setor industrial, bem como entre este último e a própria evolução do PIB agregado. O gráfico evidencia o enfraquecimento do setor industrial brasileiro, aprofundado após a eclosão da crise em meados de 2014. A produção industrial está atualmente flutuando em torno do mesmo patamar verificado no início de 2007. Em uma economia com a estrutura produtiva como a brasileira, o setor industrial cumpre papel fundamental para a alavancagem do crescimento do produto, da renda (lucros e salários) e do emprego.

É principalmente a partir dos diversos encadeamentos produtivos que interliga os setores industriais entre si, bem como a outros segmentos produtivos pertencentes à agropecuária e aos serviços, que o crescimento econômico pode ser impulsionado de forma mais robusta e consistente. Na realidade o que observamos nos últimos anos foi um contínuo enfraquecimento destes elos produtivos em função da maior penetração de insumos importados, em detrimento de insumos produzidos no país. Em pleno período de crise entre 2014 e 2017, o volume de importações dos insumos estrangeiros cresceu a impressionantes 5,3% ao ano, enquanto o volume de produção de insumos nacionais se retraiu a um ritmo de -3,4% ao ano.

Esta compreensão do arranjo macroeconômico brasileiro é de fundamental importância para a explicação do porquê a economia brasileira, após sua mais severa retração da história, vem crescendo a um ritmo tão lento. Os estímulos ao crescimento provenientes das exportações e da modesta recuperação do consumo privado estão gerando efeitos multiplicadores mais fracos sobre a expansão da produção total e a renda agregada. Sem um olhar mais cuidadoso da política econômica para o papel da indústria como dinamizador do crescimento, em particular para a recuperação de importantes segmentos produtores dos insumos industriais, a retomada do PIB e, consequentemente, dos lucros do setor produtivo seguirá em ritmo bastante lento.

Por fim, além da debilidade dos aspectos estruturais internos da economia brasileira, vale rapidamente destacar que o contexto internacional, que contribuiu para alavancar a trajetória recente de valorização das ações no Brasil, também apresenta elevada fragilidade. A iminência da subida de juros, sobretudo nos países centrais, deverá reverter o movimento das bolsas internacionais, o que certamente atingirá o mercado acionário brasileiro.

Em suma, o descolamento da BOVESPA em relação à economia real poderá até ser prolongado no curto prazo em função de novos movimentos especulativos, derivados ou do contexto político brasileiro ou de eventos externos. No entanto, sem uma recuperação econômica mais consistente, o que requer uma recuperação mais robusta da indústria, a tendência de valorização do mercado acionário brasileiro dificilmente será sustentada.

Thiago de Moraes Moreira é economista, professor de Macroeconomia do Corecon/RJ e membro do Grupo Reindustralização e do Instituto Democrativa. Contato: [email protected]

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