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quinta-feira, março 28, 2024

Governo do Amazonas intervém em impasse entre produtores de Boca do Acre e Funai

Em articulação conjunta com órgãos ligados ao setor primário, a Secretaria de Estado de Produção Rural e Sustentabilidade (Sepror) busca solucionar o impasse entre os produtores rurais do município de Boca do Acre (a 1.028 quilômetros de Manaus) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), que manifestou interesse em criar uma reserva indígena com área que pode chegar até 1 milhão de hectares em cima de áreas produtivas, em processo de titulação pelo programa do Terra Legal, do próprio Governo Federal.

Os produtores tomaram conhecimento da intenção da Funai por meio dos próprios indígenas que informaram o fato verbalmente ao Sindicato Rural de Boca do Acre (Sirba), dizendo-se contrários à medida. “O que as lideranças indígenas querem é ter acesso às políticas públicas, que o Estado chegue até eles e não mais terras”, afirmou o secretário de estado de Produção Rural e Sustentabilidade, Sidney Leite.

Sepror, Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas (FAEA), Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Amazonas (Adaf), além do advogado especialista em litígio de terras, Tarso Gonçalves Vieira, e do deputado estadual Adjuto Afonso (PP), reuniram-se com os produtores locais no último fim de semana, durante a 4ª Edição da Feira de Exposição Agropecuária de Boca do Acre (Expoboca).

“Definimos o compromisso de mobilizar a nossa bancada federal em Brasília para fazer pressão pela discussão sobre a criação dessa área. Não podemos aceitar uma decisão vinda de cima pra baixo e que vai prejudicar dezenas de famílias. O governador José Melo também já está ciente da situação”, afirmou o secretário Sidney Leite.

O deputado estadual Adjuto Afonso também afirmou, durante a reunião, que vai articular o apoio dos deputados estaduais e tentar aprovar um documento oficial, em nome da Assembleia Legislativa, em favor de um debate sobre a criação da Terra Indígena.

A área pretendida pela Funai recai exatamente sobre a gleba Novo Axioma e Redenção, de 100 mil hectares e que reúne 200 produtores, incluindo os de perfil de agricultura familiar. Seo Herbete Santana de Araújo, pequeno criador de gado da região, está desde 1952 na propriedade. “Fui eu quem abri a minha propriedade e ajudei várias outras. Chegamos aqui em 1952 e para nos organizarmos, fundamos o Sindicato Rural no dia 9 de maio daquele ano e, desde então, nunca houve qualquer registro de briga ou conflito com indígenas, até porque eles nunca ocuparam essa área”, afirmou.

A portaria com a pretensão da Funai ainda não foi publicada. No entanto, a FAEA já articula a movimentação jurídica. “No começo do ano tomamos conhecimento por meio da ata de uma das reuniões da Câmara Técnica (de Destinação e Regularização de Terras Públicas Federais na Amazônia Legal), criada pelo Governo Federal, onde tem assento todos os entes federais ligados à questão da terra. Desde então, travamos uma luta para conseguir mais informações sobre esse pleito”, afirmou o presidente da FAEA, Muni Lourenço.

Segundo ele, a ação já provoca prejuízos. “Todo o processo de regularização fundiária, com área já medida, georreferenciada e vistoriada ficou paralisado. Foi uma briga conseguirmos um cronograma para a regularização de terras na região para ser perdido assim”, explicou. De acordo com Lourenço, o atraso ocorreu porque a coordenação do Programa Terra Legal no Amazonas estava preterindo propriedades acima de 400 hectares, sendo que as normais do programa previam a regularização de áreas com até 15 módulos fiscais, o equivalente a 1,5 mil hectares.

A medida poderia vir a servir para embasamento da defesa, segundo o advogado da FAEA, Tarso Gonçalves de Oliveira. “A partir da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu 19 condicionantes, entre elas, a de número 17, de que não é possível ampliar áreas, apenas criar novas, por causa da intranquilidade social que gera”, explicou. Outra condicionante citada pelo advogado é a necessidade de apresentação de um marco temporal, de presença indígena na região. “Neste caso temos a situação do sr. Herbete, por exemplo, que está desde 1952 no local. Outro fato que acrescentaria muito seria a titulação da terra”.

Na região já existe a Terra Indígena Boca do Acre pertencente à etnia Apurinã, localizada no Km 124 da BR-317, que corta o município de mesmo nome, com 42.198 hectares, consolidada desde 1976. “Atualmente eles não ocupam nem 20% da reserva. Eles são sensíveis ao nosso pleito e, inclusive, foram eles que tiveram a iniciativa de nos informar sobre a pretensão da Funai e esclarecer de que não têm interesse”, afirmou o pecuarista José Carlos de Oliveira Filho, que recebeu a informação de uma das lideranças Apurinã.

OUTROS CASOS – No último dia 22 de maio, o secretário Sidney Leite, em articulação com o grupo de representantes do setor primário do Estado, conseguiu provocar a discussão sobre a criação de uma área de sete Unidades de Conservação (UCs), no Sul do Amazonas, propostas pelo Governo Federal, por meio do Instituto Chico Mendes (ICMBio).

As UCs estavam sendo projetadas em cima de áreas com produção agropecuária, de agricultura familiar, de extração mineral e ainda de turismo, como a pesca esportiva que movimentam mais de 1,2 mil turistas por ano no distrito de Santo Antônio do Matupi (Manicoré). Além disso, no local estão sendo desenvolvidos 300 planos de manejo florestais. A região é responsável também por 30% do seixo que abastece os materiais de construção na capital.

“Queremos entender a quais interesses servem essas demarcações que não são discutidas com o estado do Amazonas e que normalmente recaem sobre áreas de importância econômica, seja do ponto vista mineral ou da geração de energia a partir da água, por exemplo”, afirmou Leite.

De acordo com o secretário, a falta de convergência das ações do Governo Federal prejudica a regularização fundiária no Amazonas que, por sua vez, dificultam o acesso do produtor ao crédito como forma de aumentar a sua produtividade. “Até agora o setor primário atuou de forma desarticulada, mas estamos buscando mudar esse quadro”.

Leite ressaltou ainda que o setor produtivo não é contrário às questões indígenas, mas querem participar das discussões. “Conheço a realidade das comunidades indígenas não de papel, porque visitei a maioria enquanto presidente da Comissão de Assuntos Indígenas da ALEAM. Posso afirmar que todos temos algo em comum: carência de acesso às políticas públicas e não é criando à caneta mais áreas que isso vai acontecer”, disse.

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